Bergson: Tempo mecânico e tempo da consciência

Bergson: Tempo mecânico e tempo da consciência

O que é, pois, o tempo?

Quiçá encontra-se entre os maiores enigmas da humanidade, tais como a felicidade, a liberdade, ou mesmo a consciência/alma; “Se não me perguntam, sei o que é, se me perguntam não sei explicar o que o tempo é”, disse o filósofo antigo, Santo Agostinho, na obra Confissões.

Agostinho nos mostra o enigma sobre o tempo através dela: usamos a palavra tempo diariamente em conversas e nos referimos o tempo todo ao tempo. Contudo, quando nos deparamos com a necessidade de explicar o que o tempo é, nos vemos atônitos e com grandes dificuldades de dizer qualquer coisa. Parece que aquele sentido, aparentemente concreto, se evanesce, e o tempo se mostra como algo que não sabemos exatamente o que é. 

Mais de mil anos após essa formalização do paradoxo sobre o tempo dada por Agostinho, o filósofo francês Henri Bergson traz uma concepção filosófica, no mínimo bastante instigante sobre o significado do conceito tempo. 

Nesse ensaio trazemos de uma maneira sucinta e clara o fundamento da concepção de tempo bergsoniana.

Um pouco sobre Bergson

Tal como é definida por Reale e Antiseri, a filosofia de Henri Bergson pode ser considerada como um “evolucionismo espiritualista”. (Cf. 1999, p. 347-48). Essa nomenclatura se dá, pelo fato, desse filósofo francês do final do século XIX, e começo do século XX, almejar uma filosofia que apreenda em profundidade a “consciência”, mas que, contudo, não deixe de levar em conta traços materiais e fisiológicos fundamentais — tais como o próprio “corpo”. 

Dentre seus principais livros se encontram Ensaios sobre os dados imediatos da consciência (1889), Matéria e Memória (1896), O Riso (1900), A Evolução criadora de 1907 e As duas fontes da moral e da religião, sua última publicação de 1932.    

O pensamento filosófico de Bergson nasce de uma objeção ao positivismo, principalmente no que diz respeito à filosofia de Herbert Spencer. Bergson irá criticar o aspecto “mecânico” do pensamento de Spencer, e essa crítica se confronta sobretudo com o conceito sobre o “tempo”.

Sendo assim, esse debate sobre o “tempo” consiste em uma entrada importante para a filosofia de Henri Bergson.  

Primeiramente, devemos abordar a distinção que Bergson faz a respeito do tempo. De acordo com o filósofo, existem duas noções de tempo:

  • o tempo científico (ou mecânico)
  • o tempo psicológico (ou da consciência)
O tempo científico (ou mecânico)

O tempo científico (ou mecânico)

Essa primeira noção se tornou bastante emblemática e famosa através do pensamento e da física de ninguém mais, ninguém menos, que Sir Isaac Newton — um dos mais eminentes físicos da humanidade, talvez o primeiro, e talvez o mais importante. 

Tal como afirma Bergson, o tempo mecânico é um tempo espacializado, dizendo assim mais a respeito do espaço do que do próprio tempo em si. Essa definição de “tempo” se trata da clássica imagem do tempo como uma linha sucessiva, onde os fenômenos e os acontecimentos se sucedem um ao outro. Essa imagem, também gera a impressão de que é possível se deslocar no tempo, indo do presente para o passado e ao futuro. Além de que nela reside a noção clássica de “causalidade”.

Apesar de ser bastante frutífera como um modelo para experimentações da física, o tempo mecânico apresenta muitas aporias e lacunas em vários aspectos, principalmente no que diz respeito aos fenômenos biológicos e psíquicos. Sendo assim, não há garantias quaisquer de que o modelo mecânico seja, de fato, como a natureza opera, e atualmente é bem provável que não seja essa a forma dela operar.

Tempo como ou da consciência

Tempo psicológico (ou da consciência)

Bergson irá objetar, então, o “tempo mecânico” e a causalidade como comportamento natural e empírico. Bem como, traz a argumentação e tese de que o tempo se mostra a nós, primeiramente como um evento psíquico, da consciência. Somente, partindo disso, podemos deduzir consequentemente sua real natureza, comportamento e aspectos.

Se a imagem mecânica se assemelha a uma linha espacial de sucessão, qual a imagem do “tempo da consciência”?

Nada melhor que uma própria citação de Bergson para esclarecer a definição que ele defende e teoriza como sendo, de fato, a natureza do tempo:

Escute a melodia de olhos fechados, pensando apenas nela, não justapondo mais sobre um papel ou sobre um teclado imaginário as notas que concebeis assim uma pela outra, que aceitam então tornar simultâneas e renunciam à sua continuidade de fluidez no tempo para se congelar no espaço: encontrareis individida, indivisível, a melodia ou a porção da melodia que tiveres recolocado na duração pura. Ora, nossa duração interior, encarada do primeiro ao último momento da vida consciente, é alguma coisa como essa melodia. Nossa atenção pode se desviar dela e consequentemente de sua indivisibilidade; mas, quando tentamos a separar, é como se passássemos bruscamente uma lâmina através de uma chama: dividimos apenas o espaço ocupado por ela. Quando assistimos a um movimento muito rápido, como o de uma estrela cadente, distinguimos muito nitidamente a linha de fogo, divisível à vontade, da indivisível mobilidade que ela subentende: é esta mobilidade que é pura duração. (Bergson, 1972, p.102)

Como podemos ver, esse “tempo” é considerado como sendo a “duração”. Um momento do acontecer, um momento que está acontecendo, indivisível, portanto, não espacializável, ou plausível de recortes sucedâneos. 

Nesse tempo como consciência, como duração, não há passado, presente ou futuro. Na consciência essas dimensões temporais ocorrem sempre de maneira simultânea. O presente, por sua vez, condensa o passado e o futuro: ele está sempre resgatando o passado, e trazendo o futuro como algo que ainda não aconteceu.

Ou seja, não existe, por sua vez, uma sequência que soma momentos que ocorrem um após o outro, nem mesmo existe causalidade, tal como no “tempo mecânico”.

Salvador Dalí - La persistencia de la memoria,1931

Nova noção de natureza

Assim, Bergson deduz a “duração” da própria experiência humana e de nossos sentidos. Em sua filosofia, irá usar dessa noção para compreender a realidade e natureza a partir dela. Dessa maneira, reconfigura-se completamente a noção de natureza mecânica e espacializável — noção matemática que fora canonizada pela ciência e pela física newtoniana.

Referências

BERGSON, H. Matière et Mémoire. Paris: PUF, 1990.
COELHO, J. G. Being and time in Bergson, Interface – Comunic., Saúde, Educ., v.8, n.15, p.233-46, mar/ago 2004.
REALE. G. História da filosofia, 6: de Nietzsche a Escola de Frankfurt. Reale, D. Antiseri: [tradução Ivo Storniolo]. – São Paulo: Paulus, 2006. ROVELLI, CARLO. A ordem do tempo. RIO DE JANEIRO: OBJETIVA, 2018.

Márcio MOSS
Márcio MOSS
Doutorando em filosofia pela Unifesp e Ufop; é graduado em Artes Cênicas e mestre em Filosofia da Arte também pela Ufop; Atua como dramaturgo, diretor e interprete e como pesquisador dramatúrgico. Além de ser pesquisador e roteirista de vídeos do canal Filosofares no Youtube.

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