

Pessimismo e morte em Schopenhauer
Do filósofo
Arthur Schopenhauer é um ícone filosófico do século XIX no que diz respeito ao “pessimismo” como visão de mundo. Sua obra mais famosa, que contém sua visão pessimista sobre a realidade, é O mundo como vontade e representação. Mas será que podemos sintetizar para nosso leitor o que é esse “pessimismo”? Bem como, sucintamente, apontar a perspectiva da “morte” dentro desse panorama pessimista?
Eis, o que esse breve texto trará para vocês em nossas subsequentes linhas.
O mundo como vontade e representação
Conforme o próprio título de seu livro nos sugere, a realidade, a partir de nosso olhar, os óculos dos sentidos humanos, é considerada por Schopenhauer a partir de dois elementos principais: a Vontade e a representação.
Nas palavras do próprio filósofo, a Vontade é:
[…] a força que vegeta e palpita na planta, sim, a força que forma o cristal, que gira a agulha magnética para o polo norte, que brota do choque de dois metais heterogêneos, que aparece nas afinidades eletivas dos materiais como atração e repulsão, sim, a própria gravidade que atua poderosamente em toda matéria, atraindo a pedra para a Terra e a Terra para o Sol (SCHOPENHAUER, 2005, p. 168).
A vontade, é, portanto, como uma força presente universalmente, tal como a própria vida que pulsa em cada ente, coisa e ser. Seu pulsar é algo constante, perene e indestrutível.
A vontade, contudo, tal como propõe Schopenhauer está sob aquilo que ele chama de véu de Maya. Tal termo é apreendido pelo filósofo na sabedoria védica, esse termo se refere a nosso conhecimento sobre o mundo, ou seja, nossas representações. Essas representações, no fim das contas, são ilusões criadas por nós humanos, e por nossa consciência, para interpretar o mundo e levar a vida que cotidianamente levamos, essa vida com seus afazeres, obrigações, anseios e desejos.
Entramos agora, em um campo que muito nos interessa para compreender o “pessimismo” na perspectiva de Schopenhauer. Nossas ilusões, provenientes de nosso intelecto, de nossas representações, nos levam a desejos, e desejos que no fim das contas, jamais serão plenamente realizados. Haja vista que surgem a partir de nossa ilusória visão em relação ao mundo.
Essa plenitude inalcançável faz como que nossa vida seja, de fato, um sofrer.

O sofrer
Antes de prosseguir na explanação do que vêm a ser esse “sofrer”, há uma imagem proposta pelo filósofo a respeito do nosso decurso de vida que vale a pena ser replicada aqui: nossa vida seria algo como um pêndulo de movimento incessante, oscilando entre o “abatimento”, e o “sofrimento” / “tédio”. Isso ocorre porque estamos enredados em nossa busca desenfreada pela satisfação de nossos desejos que, tal como já aludimos, se multiplicam a cada vez que alcançamos a satisfação de um deles.
Mas, por que nossos desejos jamais haverão de ser plenos? A resposta para isso está em que nossos desejos não deixam de ser frutos da Vontade que rege o universo, sendo assim, nossos desejos estão submetidos a essa Vontade maior, e no fim das contas, eles são feitos para que essa Vontade continue a pulsar, e não para serem alcançados.
Em outras palavras, os desejos de nós, indivíduos humanos, são instrumentos da Vontade e de seu fluir, mas nós traduzimos eles em representações ilusórias, e assim sendo, buscamos algo que, no fim das contas, não existe.
E aqui, nos deparamos novamente com nossa vida – vida individualizada e não a vida como um todo, a própria Vontade – como algo que se constituí como dor recorrente, o sofrer.
A solidão e a insignificância do Eu
Para piorar, essa dada situação, nossa existência individualizada, nosso “Eu”, é algo completamente indistinto para a “Vontade”, indiferente. Nesse sentido, o universo, a natureza, outras representações da própria “Vontade”, bem como próprio todo, são indiferentes e independentes para com a nossa existência.
Em outras palavras, nada no mundo, universalmente falando, vai cessar, ou mudar de forma significativa devido a nossa existência individual. Paira um ar de solidão e vácuo existencial dessa condição, própria o indivíduo humano moderno, daqui se depreende um conceito denominado niilismo*. Podemos ver aqui que o Eu também há de ser, uma representação, e a individualidade uma ilusão.
Eis o porquê do indivíduo ser indiferente ao cosmos e a Vontade em si.
A partir disso, não precisamos de muito mais para afirmar que essa visão de mundo, tal como já dissemos antes, desemboca em uma perspectiva “pessimista” sobre a vida tal como comumente e cotidianamente a vivemos, e isso se dá em grande parte das culturas ocidentais e orientais.
Dito isso, basta agora, concluirmos junto a nosso filósofo alemão que viver é sofrer, haja visto que presos em nossas próprias teias da “’representação”, que nos levam a sempre desejar, e ansiar pela busca, e pelo alcançar desses desejos, nós jamais estamos plenos, satisfeitos, em completude e quietude.
Nosso pêndulo de vida cotidiana, com permissão de uma aproximação dos dias atuais ao pensamento schopenhaueriano, pode ser visto também como a oscilação entre a ansiedade e a depressão.
Que nos resta então? Na acepção de Arthur, podemos buscar duas formas de apaziguamento dos desejos, e assim sendo, de também escapar do enredamento das representações: “a morte”, ou um “ideal ascético” de vida.

A morte
Na morte, não somente, seria refreada a dor do existir individual, o sofrimento; como vêm a ser, também, um momento em que nós nos equalizaríamos com a própria Vontade, nos tornando também Vontade pura, nos desvencilhando da representação ilusória que é a individualidade, e cessando definitivamente o desejar do indivíduo.
(– O nosso nascimento e a nossa morte não irão validar, ou modificar a existência como um todo.)
Vemos assim, em Schopenhauer, não uma apologia direta à morte, ou, em outras palavras, ao suicídio, mas, antes, uma filosofia que quer nos convencer de que não temos o que temer a respeito da morte. Haja visto que a morte é um apaziguamento no sofrimento, que é gerado pela consciência individualizada, fragmentada e incompleta que fará com que nós busquemos, desejemos um modo de completá-la, uma busca infinita e, assim angustiante.
A morte somente cessa a individuação e a consciência que brota dessa, mas não cessa a própria vida, cessa somente o existir individuado e consciente.
A existência no que poderíamos chamar de “antes do nascimento”, e no “pós-morte”, são bastante distintas da existência consciente. Essa existência prescinde do “tempo”, pois o “tempo” é mais uma de nossas representações, encontra-se assim arraigado à nossa individuação e nossa consciência.
A ascese
Mesmo que não haja motivos para temer a morte, esse fato, nos aparenta de uma incompreensão que nos atemoriza. E essa incompreensão é evidente devido a que nosso intelecto é um intelecto representacional, e sendo a morte uma existência fora do “tempo”, ela não pode ser representada, e assim sendo, se mostra incompreensível, e tememos o que não compreendemos.
Assim não encaramos a morte de frente, e muito menos a desejamos, pois todo o ser individualizado, almeja a sua vida, por mais sofrível que ela seja.
E se, não podemos encarar de frente o ato da morte, e não existe um real interesse pelos viventes em antecipá-la ainda assim podemos procurar realizar ações que cessam parcialmente e gradativamente nossos desejos, diminuindo significativamente nosso sofrer.
Essas ações nos levam à chamada ascese, e se identificam com práticas e disciplinas que buscam evitar o prazer individual, e se voltam a um cultivo e elevação da mente e do espírito; atos caridosos encontram-se entre esses tipos de ações.

A arte
A arte, para Schopenhauer, se trata de uma das atividades humanas, cuja contemplação pode gerar um cessar de nossos desejos.
Especificamente, e acima de outras expressões, a música, se comporta como “Vontade” pura, e assim sendo, a música nos leva um estado de “não tempo”, “não representação”, “não sofrimento” e “não desejo”; se trata de um estado de somente existir, e talvez, algo próximo de uma morte em vida. O contemplar de determinadas músicas, portanto, se trata de uma ascese.
E estilos de vida ascéticos, podem nos angariar uma vida temporal e consciente menos sofrível e angustiante.
A caridade e o budismo
Uma, outra maneira de cessar o desejo individual vêm a ser a prática de ações caridosas. Na acepção de Schopenhauer a caridade é algo além da arte no que diz respeito ao desprendimento de nossos próprios desejos.
Sendo assim, a caridade é um meio mais eficaz para suprimir o sofrimento da vida individualidade. Para além da caridade, Schopenhauer ainda aponta o estado de nirvana da doutrina budista como uma espécie de completa supressão do sofrimento; o nirvana é uma elevação espiritual, em termos da filosofia schopenhauriana se constituí em uma dissipação da consciência da própria individualidade da pessoa, para uma existência no uno, no todo, como a própria Vontade.
Doutrinas como o budismo, religião que influenciou e inspirou a filosofia de Arthur Schopenhauer, são exemplos de estilos de vida ascéticos.
Você consegue imaginar outros estilos de vida ascéticos? E quanto a música? Concorda com Schopenhauer?
Referências
ABBAGNANNO, A. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
SCHOPENHAUER, A. O mundo como vontade e como representação. Tomo I. Trad. Jair Barboza. São Paulo: Unesp, 2005.
SCHOPENHAUER, A. O mundo como vontade e como representação. Tomo II: Suplementos aos quatro livros do primeiro tomo. Trad. Jair Barboza. São Paulo: Unesp, 2015.

Márcio MOSS
*Conforme o Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano, niilismo é um “termo usado na maioria das vezes com ituito polêmico, para designar doutrinas que se recusam a reconhecer realidades ou valores cuja admissão é considerada importante. Assim Hamilton usou esse termo para qualificar a doutrina de Hume, que nega a realidade substancial; nesse caso, a palavra quer dizer fenomenismo“. Em outros casos, é empregada para indicar as atitudes dos que negam determinados valores morais traducionais e às tradicionais crenças metafísicas: ‘o N. não é somente o conjunto de considerações sobre o tema ‘tudo é vão’, não é somente a crença de que tudo merece morrer, mas consiste em colocar a mão na massa, em destruir (…) É o estado dos espíritos fortes e das vontades fortes, do qual não é possível atribuir um juízo negativo: a negação ativa corresponde mais à sua natureza profunda’. (Wille zur Macht, ed. Kroner, XV, §24)”. (2007, p. 712)